06 outubro, 2011

Pensamentos durante as compras

Bom e velho Róbi...bom e velho Róbi. Era assim que seus conhecidos do trabalho o chamavam. Mas quem era ele realmente? Era apenas um medíocre ser humano.
De acordo com Róbi, o termo 'pensante', dado comumente aos seres humanos, talvez não fosse apropriado para sí. Foi sempre levado pelas situações. Nunca pensara, nunca precisou. Toda a sociedade já ditava o que tinha de fazer. "Tenha uma vida de sucesso. Seja empresário, case com uma bela e desejada mulher. Tenha uma família, e continue trabalhando. Se você se cansar de trabalhar, aposente-se e vá pescar. Em caso de dúvidas procure a religião oficial do Estado."
Não tinha objetivos além de fazer o que lhe parecia normal e comum.

E atualmente continua sendo levado pela situação externa. Estava ilhado na própria loja de comércio que possuía.
Foi pegar na despensa o último pote de geléia de morango (e última comida disponível para ele). Colocou a mão sobre a tampa e começou a forçar para desrrosqueá-la. Enquanto isso refletia sobre sua situação atual.
Tinha com medo de sair para ajudar a enfrentar advogados. Tinha medo de morrer, de ser contaminado, de perecer enquanto ajudava seus semelhantes a continuarem sobrevivendo. Tinha motivos para lutar e tinha motivos para não lutar. Sua família estava ilhada no próprio domicílio. Logo os portões enferrujados da casa iriam tombar perante aquele grupo de advogados na frente dos portões.
Ele tinha um objetivo nessas horas, de acordo com a cartilha. Era lutar feito retardado correndo em direção da sua casa, se possível de jeito emocionante e com lágrimas nos olhos, e assim salvar sua família.
Mas havia uns seres estranhos, querendo matá-lo, ele pensava. Como podia sair por aí se sua pequena existência de 48 anos poderia terminar? Ele não tinha feito todas as coisas que queria.
Porcaria de pote emperrado.
Sua mente tambem lembrava-o que era seu dever como cidadão ir lá e morrer lutando para defender seus semelhantes. Havia milhares de homens corajosos enfrentando os seres, com vigor e coragem. Enquanto ele tinha medo de defender a própria família.
Porra de tampa filha da puta, não abre nem com dentes!
Ele tinha de sair e mostrar que era homem como todos os outros, e que estava à altura de ter uma família própria e de defende-la.
Mas estava lá. Vou morrer comido em 15 minutos. Minha vida termina em quinze minutos.
Tudo o que fiz, que nem foi tanto, vai acabar. Vou deixar de existir, para sempre(!). Não é como se eu fosse dormir um dia, não tivesse sonhos durante o sono, e acordasse um tempo depois, como se eu tivesse deixado de existir durante esse tempo. Eu deixarei de existir para sempre! Sempre é infinito! É grande demais!
Nunca mais estarei no universo, estarei em lugar algum.
Eu que sempre quis ficar deitado dormindo metade das minhas férias. Que considerava privilégio poder dormir ao invês de trabalhar. Vou ter todo descanso que eu queria e não queria. E nunca mais vir trabalhar, sair para andar pelas ruas, cheias de cheiros, visões, brilhos metálicos e outros seres humanos.
Porra de tampa filha da puta!! Eu só quero minha geléia! Deus está contra mim?! Nesta hora ele faz isso comigo?! Nesta hora?! Grande filho da mãe, nem deve existir mas merece minha raiva! Ah, saco, vou tentar com a pá.
E pensar que...eu poderia ter brigado na rua com muitos brutamontes na minha vida. Que eu poderia ter transado com muitos homens na minha vida. Viajar para a África, conviver com o que há lá. Ver o que há de mais miserável. Que eu poderia ter lido Crepúsculo sem me trancar no banheiro, nem sofrer para esconder aquilo. Poderia ter me rebelado contra as coisas e feito traquinas na escola. O que mais falta? ah, eu lembro de tudo o que eu quero fazer antes de morrer. Pular de pára-quedas. Dar um soco no meu vizinho, filho da puta.

Róbi escuta um murmurar em latim em frente à porta de sua lojinha. Fica estático, de volta ao mundo, de seu devaneio. Uns segundos depois escuta muitas vozes falando termos em latim e sobre acordos e contas a pagar. O portão vai se abrindo, se quebrando no meio. Cinco advogados entram no mercadinho de Róbi. Róbi tropeça no chão plano e vai se esgueirando como uma maçã em direção a nenhum lugar em particular. Os cinco advogados são rápidos e logo deglutem bom e velho Róbi. Róbi podia ver sua carteira e seus músculos sendo vasculhados. Róbi ficou vendo sua morte, estático. Uma vista privilegiada da própria morte. Ficou deslumbrado com o desmembrar do próprio corpo, com a idéia de que estava a segundos da morte.

2 comentários:

  1. Então, antes eu tinha dito que não funcionava bem usar dos tipos narrativos, mas aqui funcionou bastante até. Se encaixa com o que conta.

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