“-Você não pode emagrecer mais. Para seu corpo, apesar de classificado como obeso na cartilha antiga, seu peso está bom. Na cartilha nova seu peso, sua altura e seu organismo estão de acordo. Se você emagrecer mais pode correr o risco de doenças, e perder uns anos de vida nisso.”
Era isso. Ou ele chegava a uma idade normal e tinha menos prazeres na vida, ou emagrecia, ficava nos moldes, corria o risco de viver bem menos, mas teria os divertimentos da sua geração.
Toda a sociedade o classificava como gordo. E dava pra ver nos olhos de espanto, ou de chacota dos passantes a alcunha de gordinho. Nenhuma garota já o olhou seriamente. Tampouco tinha vivenciado um olhar de sedução, ou de desejo. Só viu em novelas, ou em filmes com musas.
Quando decidiu emagrecer contou o desejo pra sua mãe. Foi quando ela indagou o porquê de estar pedindo pra comprar grãos de soja torrado e granola. Como sua mãe era protetora e insegura, e deu muito comida pra ele quando menor, ela achou que era mais garantido se emagrecer mantendo um controle, então levou-o a um médico pra monitorá-lo e dar os moldes.
“Decidi por fim, agora aos 15 anos que queria emagrecer, porque vejo meus amigos magros, ou até mesmo medianos, se divertirem. Tipo baladas e dançar. Sair com garotas e poder toca-las, acariciar-se nelas. Nunca toquei nenhuma, e nenhuma me tocou por mais tempo que o suficiente para me chamar a atenção e me fazer uma pergunta referente a aula da escola. Nunca senti um acariciar feminino. No máximo minha mãe, ou minhas tias. Mas elas são velhas. Não sinto o frescor da juventude como quando esbarro sem querer numa conhecida de classe. É meio como pêssego, como fala naquelas propagandas de creme hidratante. O momento decisivo foi quando meus amigos decidiram sair entre si e seus flertes, e falaram que praticamente não tinha espaço pra mim, ou que eu ia atrapalhar o andamento. Me senti o único a ser sozinho.
E o momento de decisão mesmo foi quando eu entrei no banho, estava uma água muito quente, e senti como era gostoso. Era como se eu estivesse sendo envolvido por alguém. Imaginei uma garota, delicada, sincera, bonita. Não como uma estrela pop, mas como uma singela garota. Meiga, ingênua. Queria aquilo pra mim, e só poderia viver isso na imaginação? Apenas quando estivesse no banho? Cogitei demorar mais nos banhos, só pra ficar sentindo aquele calor me envolvendo. Mas era um chuveiro, ficaria pobre em um mês. Se ao menos tivesse uma banheira ao invés de um chuveiro...
Foi então que notei o que estava perdendo! Ir em uma balada. Achar uma garota bonita. Me aproximar dela, ela me olhar, sorrir, e passar a dançar voltada pra mim, sorrindo. Sempre. E então poder começar uma relação com ela. Ir a um cinema, me divertir com ela. Ajudá-la com seus problemas. Ir comprar coisas com ela, ou ficar olhando as coisas com ela. Participar com ela dos divertimentos dos meus amigos finalmente. Quanto eu estava perdendo? Decidi que batalharia pra vivenciar aquilo e não morrer sem saber o prazer.
Começou tudo errado quando fui ao médico. O médico disse que eu não poderia emagrecer mais, pois saiu uma nova cartilha falando o quê era saudável. Ser magro não era mais necessariamente ser saudável. A nova cartilha dizia que não eram só altura e peso que contavam agora, mas que também o biótipo do corpo.
E que se emagrecesse poderia correr riscos de anemia, hipoglicemia, etc, que meu corpo ficaria mais vulnerável a invasões, de vírus e tipos, etc. além de diminuir meus anos de vida.
Então é isso o que a vida me reservou? Além de ser motivo de chacota, e ter de batalhar para conseguir os prazeres que os outros garotos conseguem tão facilmente e aproveitam tanto, se eu conseguir tal intento eu sou castigado com menos vida?! Onde está a justiça?!
Porquê eu tinha de ser assim? Porque o mundo tinha de ser assim?! Eu já tinha sofrido o bastante com toda a tiração de sarro, e todas as restrições, e humilhações, e achava eu que merecia mais que isso! Ao invés dos meus amigos que sempre tiveram uma vida tranqüila! E que até se divertiam humilhando me! Sempre magros, sempre convidados pra festas, sempre bonitos, sempre iam em festas. Sempre podiam sair com uma garota! Tinham por vezes até duas garotas querendo ficar com um deles! E eu com nada?! Só podia voltar pra casa! Ficar vendo novela com meus pais?! Depois reler Harry Potter e dormir!
Eles têm tudo o quê eu queria, e eu tenho nada! O quê ganhei? Eu merecia menos? O quê eles fizeram pra merecer?!
!!
.!.!
.......
...............
Inerte...
Preso em uma jaula...
Ou o prazer simples e morte mais cedo. Ou continuar a chacota, e ser um pária social excluído do prazer.”
O garoto passava pelo dilema primário do suicida. Ou continua sofrendo, ou pode terminar mais rapidamente tudo.
Ficou melhor assim a fala do garoto, dando mais ideia de pensamento do que de conversa com o leitor.
ResponderExcluirFica legal levantando só o pensamento, mas você ainda poderia levar a história mais pra frente.
Fuck, você escreve muito bem. Não consegui tirar meus olhos do texto até o final, e o final ainda me deixou angustiado, mantendo o gostinho de quero mais de um bom texto. Caralho, rapaz.
ResponderExcluirPoxa, obrigado, Ugo.
ResponderExcluirValeu, Luna, pela dica!
esse texto é da época que estava tentando melhorar a escrita. não o terminei, pois estava ainda construindo a estrutura do resto da idéia que eu tinha.
Mas ainda falta muito.